Crónica de Alice Vieira | Histórias na rua

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HISTÓRIAS NA RUA
Alice Vieira

 

O meu filho foi jogador de xadrez desde muito pequeno. Ia com a Federação a torneios e eu—num tempo pré-histórico ainda sem telemóveis…–“obrigava-o” a mandar-me um postal do lugar onde estivesse. O rapaz era muito cumpridor. Ficou conhecido na família—e eu trago-o sempre na minha carteira—um lacónico postal que me mandou de Coimbra: “Mãe: não tenho nada para dizer”.

Se me recordei disso agora é porque, ao começar esta crónica, era exactamente  isso que me apetecia escrever. Às vezes, quando se está de férias, a nossa cabeça parece ficar vazia. É o mar, é o sol, a conversa mole com os amigos, a inevitável cusquice de esplanada, e Lisboa lá tão longe.

Mas depois decidi seguir o conselho do meu saudoso amigo , grande jornalista e escritor Carlos Pinhão (hoje tão esquecido)  que, nas alturas em que não sabia mesmo o  que escrever mas tinha prazos para entregar o texto, dizia “vou à rua buscar uma história”.

Porque– como todos nós, jornalistas, sabemos– na rua estão todas as histórias.

Então lá fui pelas ruas da Ericeira, que conheço como os meus dedos, mas as histórias estavam difíceis de aparecer. Deviam ter ido todas para férias também.

Passo por um restaurante onde já não entrava há uns tempos, e por lá abanquei. A história podia esperar.

Sento-me a um canto, na única mesa vaga.

Alguns minutos depois entra um grupo de rapazes, todos a andarem pelos 20 anos.

“Queremos uma mesa para oito”, diz um deles

A empregada, olhando a sala cheia, diz-lhe que só se for lá fora na esplanada.

“Queremos cá dentro”, diz o rapaz.

A empregada, espantada, olha para eles e diz :

“Só se esperarem algum tempo…”

“Queremos já, estamos com pressa “ insiste o rapaz

A empregada, coitada, nem sabe o que dizer.

“Então, as mesas estão todas cheias…”

E o rapaz:

“É mandar alguém embora”

A empregada pensa que ele está a brincar e ri:

“Pois, assim era possível, era”.

Mas ele não brincava:

“Mande lá vagar duas mesas, que já dá para nós”

“Mas vagar, como?”

O rapaz começou a enervar-se:

“Mande as pessoas embora, como é que há-de ser? Somos oito, precisamos de uma mesa e já.”

Eu nem queria acreditar. Todas as pessoas olhavam para eles e ninguém queria acreditar.

Então a rapaziada desatou aos berros, a chamar nomes à empregada, e quando o dono estava a chegar perto deles assobiaram e  gritaram “malta vamos para outro sítio que esta gente não serve para nada.”

Ainda disseram mais umas asneirolas e foram-se embora. Se calhar fazer a mesma cena noutro restaurante.

E eu fico a pensar que educação é que deram a esta gente.

Porque o ensino é na escola, mas a educação é em casa, como muito sabiamente me dizia há dias o dono do bar da praia do sul.

E pronto. Afinal continuamos a encontrar histórias na rua.

 


Poder ler (aqui) as outras crónicas de Alice Vieira.


 

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